O telefone tocou de madrugada. Acordei no susto, com a voz embargada e a cabeça tonta, achando que era sonho e estranhando ainda não ter amanhecido. Atendi e a voz do outro lado perguntou:
- Quem está falando.
- Você que liga e quer saber quem fala? Respondi.
- Ele insistiu: sim, eu preciso saber.
- Finalmente respondi: é Jaqueline
- Aí veio a notícia: Jaque, aqui é seu tio Orlando
- Fiquei quase sem voz e disse: Já sei! Minha tia morreu, né?
- Ele confirmou: sim, foi esta madrugada
Pelo som do telefone, minha mãe foi até meu quarto. Contei a ela e após conversar o tio, fomos acordar meu pai. Irmão da tia. Foi estranho como aconteceu. Minha mãe o chamou e saiu de perto. Me ajoelhei na cabeceira da cama e disse: Pai, a tia morreu!
Ele apertou os lábios com força, enquanto segurava minha mão. Disse que estava tudo bem e já estava esperando por isso. Pedi para ele lembrar do que líamos nos livros do Kardec e entendesse que a morte é só uma passagem física. Ele disse que entendia e sabia que tudo ia passar. Segurando a mão dele pedi que chorasse. Negou-se! Estranhei, porque ele tem sensibilidade muito forte; e nunca teve pudor de demonstrar sentimentos.
Voltei para a cama. Percebi que nunca tinha chorado pela morte de ninguém. E também fazia algum tempo que não via meu pai tão frágil. Não parei de chorar, mesmo sabendo que a tia está bem. Nestas horas a religião ajuda, mas a dor era pelo meu pai ficar sem ela.
Ela era a irmã mais velha e sempre o tratou como se fosse filho. Todos os dias eles se ligavam só para dar bom dia e saber se tudo estava bem. Pequenos gestos que na correria do dia a gente nem percebe, mas são justamente atitudes assim fazema vida valer a pena.
Tentei dormir. Fechei os olhos, mas as lágrimas desciam como água de cachoeira. De longe escutava a voz dele conversando com minha mãe. Não consegui ajudar. Não consegui ficar ao lado dele. Ficava pensando na minha tia e nos motivos de saúde que provocaram sua morte. Lembrei de quando ela perdeu o filho, em 2005, de câncer no estômago. Um cara novo, forte, parecia segurança de boate; e que ela viu definhar até a morte em cima de uma cama. Pensei na depressão que tomou conta da sua vida após o episódio. Pensei em tanta coisa. Lembrei que a escolha do meu nome foi influência dela, mas, ainda assim, sempre me chamava de Jajá. Jaqueline era como chamava a minha mãe. Recordei de como brigava com meu pai porque ele me deixava brincar solta na rua e ela tinha medo de que me levassem, pois dizia que eu era muito linda. Nem conseguimos nos despedir.
Fiz uma pequena prece para que fizesse uma boa passagem e para que entendesse que vou cuidar bem do irmão dela. Chorei mais um pouco e dormi.
Hoje, pela manhã, foi estranho ver como a vida continua. Minha mãe não deixou eu perder o show do Chico para ir ao velório. Meu pai sorria e conversava com a gente como se nada tivesse acontecido. No telefone, meu tio dizendo que só ele e minha prima estavam lá. Vi meus pais saindo. Fiquei com vontade de ir junto...Mas não fui.
Mal consigo abrir os olhos, pareço uma japonesa de tanto que chorei. O rosto está inchado e tem muita coisa rolando na minha cabeça. Senti saudades dos meus irmãos, mesmo tendo eles tão perto. Tive vontade de dizer eu te amo para algumas pessoas e tirar de vez outras da minha vida. Sei lá. Ainda está doendo, foi a minha primeira morte, a primeira vez que chorei por alguém que faleceu e por outra que ficou.
# Encontrei esta imagem na internet ao acaso. Digitei "solidão" e ela apareceu. Me lembra ela e meu pai #
10 comentários:
A minha primeira? Eu era tão novo e foram tantas depois...
sinto pela tua perda, mas como tu disse a religião alivia, a dor da saudade fisica, demora, mas passa...
A minha primeira, a do meu pai, sem idade ainda pra entender nada que fizesse amenizar.
Beijos pra vc e fique bem
tive duas quando era pequena, e uma nem era muito proxima. não lembro de nada, só que mentiram pra mim, quando vim saber já tinha tido o velório e tudo.
gostei do seu blog, e dos seus comentários. vou passar aqui mais vezes ;D
fica bem ;*
eu cheguei ao seu passando 'próximo blog'. o q mais chamou mminha atençao foi sua descrição de vc mesma.. adorável! E agora sei tb de onde veio o blogo do túmulo.
Achei interessante também sua escrita, portuguesa.
Meu nome é fabíola sim, adoro meu nome por sinal, mas as pessoas adoram me chamar por apelidos. Eu gosto disso também. :)
E vc falou de algo q lembrou meus pensamentos de ontem. EU pensavava q qdo parentes morrem ao invés de querer chorar me dá vontade de sorrir e pensar algo como 'oba, ele conseguiu chegar lá'. Não sei do 'lá',mas é algo de bom.. e não tenho pressa pra chegar 'lá' não.
beijos
Eu tinha 12 anos quando meu pai morreu. Depois um tio.
Tenta ficar bem, viu?
Beijinho
São sete as luas que regem a magia, o encanto, sete vezes se abre a alma para deixar sair o pranto. Sete serão as palavras que soltam a magia no tempo, sete são, as sinceras lágrimas, soltas em árido campo…
Bom fim de semana
Doce beijo
Eu passei por uma perda recentemente, porém não foi minha primeira.
Contudo, foi a que mais me mudou.
Até hoje não consegui chorar a morte do meu avô paterno. Eu o vi definhar por cinco longos meses e tudo o que desejava era não vê-lo mais sofrer tanto.
Meus familiares nao aceitavam que eu desejasse a morte dele, mas sempre me defendi dizendo que pra ele seria bem melhor.
E então ele se foi.
Desde então repensei certos valores que há muito havia esquecido. Nunca mudei tanto em tão pouco tempo.
Sinto tanto a falta dele. Mas fico feliz com o que ele me deixou, com o que ficou pra mim.
Beijos.
hum, a minha primeira foi ano passado.
:(
se cuida.
beijo e abraco.
Gostei muito do seu texto!
Amei. Aconteceu uma situaçao analoga muitos anos atras, por alguns minutos da leitura, viajei nesse tempo. Suas ultimas frases sao muito fortes, me emocionei mesmo ao ler "Senti saudades dos meus irmãos, mesmo tendo eles tão perto".
Obrigado por compartilhar!
Abraços!
Algumas coisas se passam com uma naturalidade assombrosa.
E demoram a serem assimilidas, digeridas até.
Racionalmente ou não.
Acho...
Postar um comentário