10 de outubro de 2009

Casamentos, Fé, Diálogo

Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: ‘Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?’ Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.
(Nietzsche)
 


casamento
s. m.
1. Acto!Ato ou efeito de casar.
2. União de homem e mulher para constituir família legal. = matrimónio
3. Contrato de união ou vínculo entre duas pessoas que institui deveres conjugais.
4. Cerimónia ou ritual que efectiva!efetiva esse contrato ou união. = boda
5. Fig. União, associação, vínculo.

Esqueça a definição do dicionário. Não falo aqui de contratos nupciais, formalizados perante um Padre ou um Juiz. Falo do casamento diário, do ato de se unir a uma pessoa. Toda relação tem (ou deveria ter) como foco o casamento, a união. Já aprendemos que é assim que se cresce, que se evolui. E assim casamos. Casamos com o nosso emprego, com a nossa melhor amiga, com aquele colega de bar super legal, com nossos irmãos, com nossos pais e com nossa família. 
E como bem disse Nietzsche, as relações que desafiam o tempo são aquelas baseadas na arte do diálogo.
Diálogo. Ai, o diálogo. É um ato de fé, acima de tudo. E no momento em que a fé nos falta, o que sobra é o espaço da guerra.
É fácil saber o poder de nossas palavras. A capacidade que as mesmas podem ter de destruir ou vivificar a vida de alguém. E não é nada de outro mundo perceber isso embutido nos nossos pequenos casamentos cotidianos. A esposa que fala mal do marido para as amigas; a amiga que só abre os ouvidos para aquilo que lhe interessa ouvir; as conversas baseadas na auto-defesa e no deboche; as pessoas que levam qualquer opinião para o "lado pessoal".
Talvez estejamos nos casamos com o pior que há em nós e esperando que os outros engulam essa bomba. A nossa incapacidade de ouvir o outro nada mais é do que a nossa falha na conversa. A amiga recalcada que não dá importância para as suas histórias de noitadas; o colega de trabalho que espalha uma fofoca com seu nome; o mal entendido que permeia as conversas virtuais; o pisar em ovos que domina algumas relações.
Por vezes, percebo uma casca que cresce em volta de nós como ato de proteção contra as possíveis consequências da conversa. 
A confiança vai descendo pelo ralo da intimidade quebrada; a confissão torna-se armamento do outro. Os casamentos se desfazem. A Fé dilui na água na vulnerabilidade.
Esquecemos de lembrar que a ideia inicial era apenas a liberdade. Livre no falar, no desabafar, no aconselhar. E ego ferido trocou isso pela ofensa, pela vontade de apenas provar: eu não tenho este problema, sou melhor do que você.

  "Projete você mesmo em todas as criaturas.
Então, a quem você poderá ferir?
Que mal você poderá fazer?"

(Via @moniregios) 

"E então que se não der certo este casamento eu me separo". É, sempre há esta opção. A justiça nos dá. E nós confirmamos no "ausente" do msn; no delete do orkut; no mail não respondido; no mudar de calçada; no Feliz Aniversário que fingimos que esquecemos de desejar, e nas mais diversas expressões que a nossa ignorância encontrar.
O tempo passa, a idade chega, o lúdico cede lugar a tal da maturidade. As relações mudam de rumo, terminam sem nem antes começar. Como fruta que cai da árvore antes de amadurecer. Apodrece antes do tempo.
Talvez tenha acabado a afinidade, sobrado egocentrismo. Talvez tenha sido só a distância, ou o sexo que esfriou. O marido que engordou. O filho que se revelou gay, frustrando seus sonhos de vê-lo num casamento tradicional. Talvez seja só o excesso de trabalho, o excesso de julgamento. Ou o jogo de empurra-empurra para ver quem procura o outro primeiro, quem se arrependerá e pedirá desculpas pelos deslizes foi acusado de cometer quando apenas escolheu ser o que se é.
Talvez não tenhamos suportado ouvir, ou não percebido a forma certa de falar. Ou tenhamos perdido a fé. Aquela fé infantil que nos faz acreditar que tudo era para sempre e nos ensina a cuidar dos nossos casamentos para que o para sempre nunca acabe. Ou então, foi aquela fé adulta, distorcida pela necessidade da troca: só dou se receber.
E então, talvez a "profecia" de Nietzsche nem mesmo tome forma. E envelheceremos antes do tempo, focados no que não era o principal. Esquecidos do atributo fundamental.

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